Retratos

Traços físicos nem sempre são herdados diretamente dos pais. Por vezes, uma cor de olho ou de cabelo pula uma geração. Quando a família tem memória dos antepassados mais recentes, é possível deduzir, por exemplo, que alguém herdou os olhos azuis da avó ou os cabelos ruivos do avô. Mas nem sempre isso acontece, e, se tivermos pouco mais de 40 anos tudo pode começar a ficar nebuloso bastante já duas gerações anteriores à de nossos avós.

Embora isso possa não ter nenhuma relação óbvia com a pesquisa genealógica, é natural querer saber como se pareciam nossos antepassados. De modo geral, pode-se supor que tivessem estatura menor do que a nossa, mas isso obviamente variava de família para família e de acordo com a origem étnica. Mas como saber sobre a cor dos olhos e dos cabelos? Como descobrir a aparência de nossos antepassados que viviam quando a fotografia ainda não havia sido inventada – ou antes de sua popularização – e eles mesmos não eram tão importantes a ponto de ter seus retratos pintados por artistas conhecidos?

Parece um desafio impossível de realizar – e muitas vezes será mesmo -, mas há casos em que podemos, sim, ter uma ideia da aparência de nossos antepassados. Alguns registros – como os pedidos de passaporte e os arquivos militares – chegaram até nós e foram digitalizados, o que nos permite ter uma ideia de como eram nossos parentes há muito falecidos.

O primeiro caso abaixo, é do pedido de passaporte de meu bisavô Luis, pai de minha avó paterna.

luis
Registro de passaporte de Luís Gonçalves Rebosa – São Mamede de Ribatua, Vila Real

Pelas anotações feitas na coluna da esquerda, sei que meu bisavô talvez fosse até alto para a média (1,69 m), tinha cabelos grisalhos, olhos supostamente castanhos e alguns dentes faltando. Exceto pela falta de dentes, posso dizer que me pareço um pouco com ele – apenas dois centímetros mais baixo.  Não é muito, mas é mais do que eu esperaria saber sobre ele de meus parentes vivos, que provavelmente não o conheceram ou não mais se lembram dele.

Quanto aos registros militares, posso citar dois casos, sendo o primeiro o de um parente indireto chamado Júlio Pinto Rebello, sobre quem já falei em outro texto aqui no blog. O registro encontrado não é um documento, mas um resultado de busca no site do Projeto Genealogia em Registos Militares (GERMIL). Em um dos cinco resultados encontrados após a busca por seu nome no site, descobri que ele tinha estatura baixa para os padrões atuais (1,44m), olhos e cabelos castanhos e nariz regular, o que quer que isso pudesse significar naquela época e local.

O segundo caso encontrado em registro militar é o de meu tio-bisavô Raphael de Araújo, que nasceu em Barcos, Tabuaço, em 1840. Segundo registro no livro nº 22 – Livro de Matrícula dos Oficiais e Praças de Pret, do Regimento de Infantaria nº 9, 2º Batalhão -, armazenado na já citada base de dados GERMIL, o soldado Raphael, que na época deveria ter 18 anos, tinha 1,53m de altura, cabelos pretos, olhos castanhos, rosto comprido, boca regular, cor natural e possuía uma cicatriz no polegar esquerdo.

Alguns de meus primos da família paterna têm olhos azuis, assim como minha avó paterna também tinha. A cor dos olhos é um dos traços físicos que pode pular uma geração. Até agora, não pude encontrar evidências de qual dos antepassados de minha avó tinha esse traço. Talvez jamais o encontre, mas a curiosidade torna essa busca estimulante.


José Araújo é linguista e genealogista amador.

3 comentários sobre “Retratos

  1. […] 1569, emitido em 1º de junho de 1858, no livro 3281 do Arquivo Distrital do Porto. Além da descrição física de Júlio – 1,65m, rosto comprido, cabelos e olhos castanhos – , o passaporte informa […]

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