Achado

Segundo nota publicada na edição 117 do Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal do dia 29 de abril de 1859, saiu do Porto do Rio de Janeiro no dia anterior, com destino a Campos, o vapor Ceres, de 182 toneladas, levando vários gêneros e passageiros, dentre os quais:

Eduardo Bello de Araujo e 1 escravo, José Joaquim Ferreira, sua mulher e 1 filho, José Antonio Teixeira, Belmiro José Ferreira, João Fernandes Pereira, Antonio Rodrigues Mutuca, Antonio Joaquim Ferreira da Annunciação, Alexandrino Telles de Menezes; os portuguezes Manoel Gonçalves Teixeira Bastos, José Antonio da Silva Pinto, Jacintho José da Silva, João Bernardo da Silva, Joaquim Pinto da Silva, Dr. José Pinto Rebello de Carvalho, Antonio José da Costa Braga, Manoel Velloso de Oliveira e João da Costa Moreira e 1 escravo; o preto forro Joaquim Antonio Pertininga e 2 escravos a entregar.

A imagem desse registro, que pode ser vista abaixo, está disponível na base de dados Hemeroteca Digital, mantido pela Biblioteca Nacional do Brasil.

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Correio Mercantil… 29/04/1859

Trata-se de um registro importante que até então não havia sido encontrado mesmo por genealogistas profissionais aos quais solicitei informações sobre a chegada desse primo de minha trisavó paterna sobre quem tanto já escrevi aqui no blog.

A informação que José (1788-1870) teria falecido na cidade de Campos, no Império do Brasil, já era conhecida, porém não havia sido encontrado nenhum registro de sua chegada à cidade ou mesmo ao Brasil – tampouco o pedido de um passaporte em Portugal – entre as décadas de 1840 e 1860, segundo relatório preparado pelo genealogista contratado.

Ele pode ter chegado ao Brasil entre 1858 e 1859 e, ao que tudo indica, teria vindo só, pois não consta até o momento nenhuma informação a respeito da vinda de sua esposa Maria José Adelaide Ferreira Pinto ou da filha que teria tido com ela. Esse simples registro permite retomar a narrativa dos últimos anos de vida de José Pinto Rebello de Carvalho. Anos de muito sofrimento, segundo evidências indiretas já encontradas.


José de Araújo é linguista e genealogista amador.

Póstuma

Queridos netos,

Vocês não me conheceram, pois eu já havia partido quando vocês nasceram. Nasci muito antes de vocês, no século XIX, em 9 de junho de 1868. O local, a vila de Barcos, no concelho de Tabuaço, em Viseu, Portugal. Meus pais, Manuel de Araújo Motta e Luísa de Macedo Pinto, se casaram em 1853, quando ele já contava 28 anos, e ela, com 25. Tiveram cinco filhos antes de mim – Luís, José Augusto, Maria Natividade, Manoel e Delfina.

Três anos depois que nasci, meu pai morreu atingido por um raio. Tinha apenas 46 anos. Minha mãe viu-se, então, com a responsabilidade de cuidar de três adolescentes e três crianças, a menor de todos sendo eu, então com três anos. Dona Luísa vinha de uma tradicional família local, na qual havia médicos, militares, padres, proprietários de terra e até uma suposta santa.

Famílias grandes como a nossa não eram raras em Portugal naquela época, mas muitos morriam ainda na infância, na adolescência e até nos primeiros anos da vida adulta – meu irmão Luís, por exemplo, morreu solteiro aos 26 anos, idade em que era normal o homem se casar e ter filhos.

Eu não fui exceção e me casei aos 25 anos com Eliza de Macedo, com quem tive sete filhos antes de virmos para o Brasil. Partimos de Leixões no vapor Heidelberg e chegamos a Santos, onde desembarcamos em 14 de abril de 1905. Eu tinha 36 anos, Eliza tinha 31 e nossa filha mais nova, Delfina, apenas um aninho.

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Porto e cidade de Santos em 1905

Imaginem a aventura que era cruzar o Atlântico em um navio a vapor naquela época e com tantos filhos! Ainda assim, viemos, pois era necessário “fazer a América”. Dois irmãos de Eliza – Vasco e Maximiano – aqui já se encontravam há algum tempo, na localidade que viria a ser conhecida como Nova Iguaçu, mas era então conhecida como Maxambomba.

Em Maxambomba comprei um sítio onde hoje fica a Estrada de Madureira e comecei a me dedicar à lavoura, plantando hortaliças e frutas. A agricultura nos sustentaria, como havia sustentado a nossa família lá em Portugal. Alguns anos mais tarde, José Augusto, meu filho mais velho, com seu grande espírito empreendedor, decidiu tentar a vida por conta própria e saiu de casa com seu irmão Antônio. Para minha enorme tristeza, Antônio seria acometido de tuberculose e morreria ainda jovem algum tempo depois.

José Augusto seguiria em frente com seus planos e, com um empréstimo do tio e padrinho Vasco, compraria um sítio e seguiria meus passos tornando-se agricultor. Seria apenas a primeira iniciativa dele, que mais tarde compraria mais terras e se tornaria um dos citricultores que tornaram a região um grande centro produtor e exportador de laranjas. Esse filho ainda teria uma fábrica de cerveja e, em sociedade com um patrício, construiria casas populares para vender. Em 6 de março de 1917, mais uma desgraça se abate sobre nossa família: minha amada Eliza nos deixa, aos 43 anos.

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Eu aos 50 anos

Eu estava para completar 50 anos de uma vida de muito trabalho, muita disciplina e ainda com filhos que dependiam de mim. Não poderia passar os anos que me restavam no estado de viuvez. Foi então que conheci a bela Josefa Rebosa, uma jovem de 18 anos e olhos sedutores que trabalhava na Cruz Vermelha. Josefa estava noiva de um médico que conhecera, porém rompeu o noivado e, em novembro de 1918, já estávamos casados. Dona Maria Benedicta, minha sogra, não fazia gosto, pois certamente preferia ver a filha casada com um médico e não com um viúvo tão mais velho.

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Josefa com Júlio e a pequena Maria

Josefa e eu tivemos seis filhos. Acredito que eu tenha sido um pai carinhoso, dentro dos padrões da época. Certamente era muito observador e severo e todos os filhos tinham sua contribuição das atividades da casa. Sempre fomos uma família religiosa, mas eu nunca gostei muito de padres – acredito que seja um costume de família desde Portugal.

Nunca mais voltei a Portugal e não costumava falar da vida lá. Aqui no Brasil, sempre trabalhei muito. Nunca fomos ricos, mas vivíamos bem. Meu único orgulho era de estar sempre bem vestido, de botas, chapéu e abotoaduras de ouro que me eram presenteadas pela querida filha Lourdes.

Espero que tenham orgulho de sua história, pois ela será a herança que jamais será retirada de vocês.

Um beijo de seu avô,

record-image_S3HT-6X13-JGN_Batismo de Maria da Penha


José de Araújo é linguista e genealogista amador.

Relato

Não sou historiador, porém a pesquisa genealógica me obriga a estudar muito não apenas a respeito dos períodos históricos em que viveram meus antepassados como também a respeito do fazer histórico propriamente dito – a coleta das fontes documentais, sua análise e o registro dos resultados – e da historiografia, o estudo da evolução dessa ciência. Na seção Livros apresento as obras que busquei para melhor realizar minhas análises e interpretações dos diversos registros documentais que encontro para trazer à luz a história de minha família.

Um aspecto que me despertou grande interesse nesses estudos foi a crescente interdisciplinaridade da História durante o século passado, isto é, a constatação de que o trabalho do historiador não poderia prescindir dos conhecimentos oriundos em outras áreas, como a Antropologia, a Comunicação Social, a Filosofia, a Linguística – minha área de formação – e até dos estudos literários. Essa ampliação dos olhares sobre a História se reflete aqui no blog, por exemplo, no recurso a textos literários e jornalísticos produzidos por – ou a respeito de – meus parentes como forma de interpretar suas ações e, na medida do possível, busca entender o que sentiam e pensavam.

Uma questão apresentada em uma das obras de referência consultadas e que muito despertou minha atenção foi a constatação de que o historiador “começou a se perceber como literato, e muitos passaram a buscar aprimorar novas formas de expressão na elaboração” de seus relatos. Foi assim que a História começou a frequentar outros ambientes além do acadêmico, e muitos não historiadores praticamente se tornaram best sellers, como foi o caso de Eduardo Bueno, Laurentino Gomes e Pedro Doria, o que gerou desconforto entre os historiadores profissionais.

Pensar em novas formas de expressão na elaboração dos relatos me estimulou a produzir um gênero de texto diferente aqui no blog. Esse texto seria fundamentado em informações obtidas a partir de uma entrevista feita com uma irmã de meu pai. Essa entrevista teve o propósito de resgatar fatos sobre a vida de meus avós paternos, fatos esses que minha tia ou testemunhou ou ouviu como narrativas de família. Essa tia se revelou uma testemunha bastante fiel para o resgate de fatos e narrativas, portanto eu sabia que poderia obter muitas informações relevantes com as quais tecer um texto diferente.

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Tecelão, tinta por Vincent Van Gogh (1853-1890, Netherlands)

O roteiro da entrevista, que foi conduzida pela filha dessa tia durante um fim de semana, pode ser visto abaixo.

  1. Onde ficava a casa dos Araújo?
  2. Os parentes de vovó – família Rebosa – viviam em Nova Iguaçu?
  3. A tia chegou a conhecer esses parentes?
  4. Como era vovô como pai, no dia a dia? Era severo, carinhoso, calado?
  5. Ele gostava de ler? O que ele lia? E vovó?
  6. Vovô chegou a voltar a Portugal em algum momento?
  7. Ele falava sobre a vida em Portugal? Falava dos parentes? O que a tia sabe dos avós dela?
  8. A família Araújo vivia com conforto material?
  9. Vovô era religioso? Ia às missas? Fazia questão que os filhos fizessem primeira-comunhão?
  10. Ele tinha amigos? Eram portugueses ou brasileiros?
  11. Ele se vestia bem? Era vaidoso?

O relato elaborado a partir dessa entrevista poderá ser visto no próximo texto.


José Araújo é linguista e genealogista amador.

Batalhas

A carreira do Tenente Caetano Pinto Rebello (ca. 1792 – ca. 1876), meu primo de quarto grau, está documentada nos arquivos do Exército de Portugal. O que eu pude descobrir a respeito dele sem recorrer diretamente a essa instituição está registrado em outro texto aqui no blog. Para saber mais, foi necessário solicitar ao Arquivo Histórico Militar um orçamento para envio de alguns arquivos específicos. Alguns meses após a solicitação e o pagamento do valor proposto no orçamento, recebi um CD contendo as imagens dos registros solicitados. Essas imagens permitiram descobrir mais sobre esse parente distante.

Um dos detalhes descoberto nos registros foi que Caetano alistou-se como voluntário aos 19 anos. Ficou evidenciado também que ele assentou praça e fez juramento em 1/01/1818 no Regimento de Infantaria N° 23, o qual seria extinto com o fim da Guerra Civil em 1834. Informa-se ainda nos registros que seria casado, embora a única mulher com quem consta que tivesse tido filhos – Dona Maria Augusta Pinto – tenha nascido apenas em 1/05/1820 e seu primeiro filho – Júlio Pinto Rebello – tenha nascido apenas em 22/06/1839. Pode-se pensar em um casamento anterior, ainda não descoberto.

Outra novidade trazida pelos registros fornecidos pelo Exército Português foi a relação das ações militares de que Caetano participou: campanha de 1826-1827 contra a usurpação – de d. Miguel – e batalhas em Coruche, Cruz dos Morouços, Ponte Ferreira (Vouga) e na defesa das linhas do Porto. Em todas as batalhas, diga-se, as forças miguelistas foram sempre numericamente superiores. Ainda assim, terminaram derrotadas pelas tropas liberais de d. Pedro I(V).

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Batalha de Ponte Ferreira, 23/06/1832 – A. E. Hoffman – Fonte: Wikipedia

Na defesa das linhas do Porto, segundo os registros obtidos, Caetano foi gravemente ferido. No entanto, ele sobreviveu para constituir numerosa família em sua terra natal de Barcos.


José Araújo é linguista e genealogista amador.

Patronímicos

É fato conhecido que os portugueses são muito mais rígidos na escolha dos nomes dos filhos do que os brasileiros. Não por acaso, existe mesmo uma relação de vocábulos permitidos e proibidos no site do Instituto dos Registos e Notariado que deveria ser consultada pelos pais antes da escolha do nome de seus futuros filhos.

A nuvem de palavras abaixo apresenta 50 dos nomes mais populares em Portugal em 2016. Em geral, são nomes bastante antigos e muitos deram origem a diversos sobrenomes – lá denominados apelidos – que conhecemos hoje, ou seja, tornaram-se patronímicos.

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Nomes mais populares em 2016 – Fonte: Instituto dos Registos e Notariado

Patronímicos são a forma mais antiga de atribuição de sobrenome e se formam a partir da derivação do nome do pai. Na cultura russa, por exemplo, podemos deduzir que um menino chamado Yuri Gregorovich é filho de um Gregoryi. Um caso bastante famoso de patronímico de origem conhecida é o de Afonso I (1109-1185), o primeiro rei de Portugal, que ficou conhecido como Afonso Henriques, pois era filho de Henrique de Borgonha, conde de Portucale, e Teresa de Leão.

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Afonso I (1109-1185)

A lista abaixo relaciona alguns sobrenomes portugueses de fonte patronímica e os nomes dos quais derivaram:

Patronímico(s) Nome(s)
Alves e Álvares Álvaro
Antunes Antão ou Antônio
Bernardes Bernardo
Diegues e Dias Diogo
Domingues Domingos
Esteves Estevão
Fernandes Fernão ou Fernando
Gonçalves Gonçalo
Marques Marco ou Marcos
Martins Martim ou Martinho
Nunes Nuno
Roiz ou Rodrigues Rodrigo
Soares Soeiro
Vasques ou Vaz Vasco

Há ainda patronímicos que se tornaram sobrenomes sem o acréscimo do sufixo -es, tais como Afonso, Braz, Gaspar, Garcia,  Gil e Lourenço, entre outros.

Patronímicos respondem por apenas um caso do complexo sistema de sobrenomes portugueses. Em outro texto falarei de outro caso: os topônimos.


José Araujo é linguista e genealogista amador.