Alcunhas

Alcunha, segundo o dicionário Priberam, é o termo que qualifica uma pessoa em função de alguma particularidade física ou moral atribuída a ela. É o que no Brasil se chama de apelido. Uma pessoa de cabelos louros pode ser chamada de alemã ou galega, enquanto uma que está acima do peso costuma ser chamada de gorda. Em geral, a alcunha tem uso cotidiano e coloquial, não chegando a possuir registro formal em documentos, exceto, claro, quando se trata de alguma celebridade que incorpora a alcunha pessoal como parte de sua identidade. Mas nem sempre foi assim.

Em séculos anteriores, quando o uso de sobrenomes ainda não era sujeito a regras formais, era comum que uma pessoa tivesse sua alcunha identificada em registros paroquiais. Foi o que ocorreu com Antonio dos Santos (? – 1841), meu antepassado de cinco gerações, que recebeu a alcunha de morgado, termo atribuído ao filho mais velho a quem era garantido o direito inalienável de herança dos bens paternos. A atribuição dessa alcunha a José Antonio fica evidente no assento de casamento de sua filha Clara Maria, do qual se vê um trecho a seguir:

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Casamento de José Martins e Clara Maria – 9/06/1778 – Barcos, Tabuaço, Viseu

Aqui a transcrição:

Aos nove dias do mês de junho de 1778 anos, nesta paroquial igreja colegiada de Nossa Senhora da Assunção de Barcos, na minha presença e das testemunhas abaixo declaradas, e na forma do sagrado concílio tridentino e constituição deste bispado, contraíram de presente o sacramento do matrimônio José Martins da aldeia de Sendim, freguesia da mesma vila, de que me apresentou correntes as proclamas, e onde foi batizado, filho legítimo de Manoel Martins e Bernarda Soeira, da dita aldeia e freguesia, onde foram batizados, recebidos e estão sepultados, sendo o primeiro matrimônio da parte de ambos, e Clara Maria, filha legítima de Antonio dos Santos, o Morgado de alcunha, e de Anna da Assunção, todos naturais desta vila de Barcos, em cuja igreja foram batizados e os ditos pais foram também recebidos, sendo primeiro matrimônio […]

O interessante nesse caso é que o que era apenas alcunha para Antonio dos Santos se tornou sobrenome para seus filhos e netos, como se vê abaixo no assento de óbito de seu neto Antonio de Araújo Morgado, filho de seu filho José Morgado:

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Óbito de Antonio de Araújo Morgado – 27/09/1868 – Barcos, Tabuaço, iseu

Aqui a transcrição:

Aos 27 dias do mês de setembro do ano de 1868, nesta freguesia de Barcos, concelho de Tabuaço, diocese de Lamego, na casa número um, às quatro horas da tarde, faleceu, não tendo recebido sacramentos da Santa Igreja, um indivíduo do sexo masculino por nome Antonio de Araújo Morgado, de idade de 66 anos, de estado casado com Anna da Silva, natural desta freguesia, morador na rua do fundo da vila, filho legítimo de José Morgado, natural da freguesia de Adorigo deste concelho, profissão proprietário, e de Josefa de Araújo, de profissão governo da casa, o qual não fez testamento, deixando filhos e foi sepultado na igreja desta freguesia por não haver cemitério público. E para constar se lavrou em duplicado este assento que assino. Era ut supra. O abade Antonio Augusto Tavares

Casos como esse podem explicar por que hoje existem sobrenomes como Castanho, Crespo, Magro e Manso.


José Araújo é linguista e genealogista amador.

Topônimos

O sistema de sobrenomes – ou apelidos – português é bastante complexo, como afirmei no texto anterior. Alguns sobrenomes atuais derivam de nomes de pessoas que viveram há muitos séculos (Gonçalves, originado de Gonçalo, por exemplo), enquanto outros derivam de alcunhas derivadas de características físicas (Crespo, Moreno, Ruivo) ou psicológicas (Leal, Manso, Valente) de antepassados cujos registros talvez jamais consigamos encontrar.

Outra fonte para os sobrenomes portugueses são os topônimos, os nomes de localidades. As localidades em questão poderiam ser núcleos urbanos, rurais ou a sede de uma importante casa da nobreza onde a família residia ou de onde viera. A nuvem de palavras abaixo apresenta alguns dos 100 sobrenomes que são topônimos mais comumente registrados em Portugal em 2015 segundo o Instituto dos Registos e Notariado – quanto maior o sobrenome, maior sua frequência.

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Fonte: Instituto dos Registos e Notariado

Uma característica comum aos topônimos é a presença da preposição de e suas variantes (do, da). Embora seja comum acreditar que um Fulano de Araújo possa ter origem nobre enquanto um Sicrano Araújo descenda de pessoas comuns, isso não é verdade. De fato, nunca houve uma regra que determinasse a forma de registra os sobrenomes dos nobres. O mais seguro, portanto, é deduzir que o Fulano de Araújo apenas descenda de um natural de uma localidade às margens do Rio Minho que mudou-se para outro local onde existiam vários homônimos. Para se destacar dos outros Fulanos, ele agregou sua origem ao nome: era o Fulano que veio da localidade de Araújo, o Fulano de Araújo.


José Araujo é linguista e genealogista amador.

Apelidos

Ter sobrenome – ou apelido, como se diz em Portugal – é hoje normal. Em tempos remotos, no entanto, eles nem mesmo existiam e, quando passaram a existir, demoraram muito tempo para se tornar obrigatórios. Em Portugal, por exemplo, isso apenas ocorreu, a partir de 1928, embora seu uso fosse regulamentado desde 1911.

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